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Post#05 [Cultura Remix]: “Cultures Compared”

Na sua sua obra “Remix” [1], Lawrence Lessig aborda todo o universo das novas formas de cultura de massas possibilitadas pelos crescente acesso aos meios de produção de media, assim como as questões políticas e económicas ao nível dos direitos de autor que lhe estão associadas, e a forma como as mesmas afectam e são afectadas pelos canais de produção e distribuição de media tradicionais.

Mais especificamente, no capítulo por mim abordado no âmbito deste tema Lessig faz o confronto e a análise de ambos os universos culturais por si citados e baptizados, respectivamente, de “Read Only” (“leitura apenas” ou RO) e “Read/Write” (“leitura/escrita” ou RW) em cinco planos distintos, a saber: o plano dos valores humanos, o plano do valor monetário/económico, o plano do valor/qualidade intrínseca dos objectos e, finalmente, o plano legal/burocrático, rematando em seguida o processo por meio da formulação de conclusões.

Ao nível dos valores, o autor enfatiza as vantagens da cultura RW no desenvolvimento estruturado de toda uma ética profissional, ao envolver os estudantes no processo de aprendizagem, conferindo-lhes um certo poder e responsabilidade, valências muito mais importantes do que o simples valor informativo ou de entretenimento. Lessig Identifica este valor de literacia cultural igualmente fora do plano profissional, ao nível dos consumidores, uma vez que lhes confere um sentido crítico acrescido e uma capacidade de acrescentar algo ao que lhes é oferecido.

No campo do valor monetário, o autor argumenta que seria possível rentabilizar as novas estruturas criativas características da cultura RW muito para além dos prejuízos em que as estruturas produtivas vigentes incorrem no combate sem escrúpulos que movem actualmente àquela. Na base da sua opinião está o mercado de pequenos produtos electrónicos que possibilitam esta nova força produtiva, a crescente conectividade como catalisador decisivo dessa cultura e, finalmente, o carácter anti-competitivo das indústrias criativas estabelecidas.

Já no que toca ao valor intrínseco dos objectos resultantes da cultura RW o autor admite que, pelo menos no plano estético, muitos destes ficam francamente aquém daqueles produzidos pelas estruturas tradicionais da cultura RO mas frisa, por outro lado, que as técnicas de remistura obrigam os artistas e os autores a fazerem um esforço de pesquisa histórica e re-interpretação de obras anteriores e, por conseguinte, levam igualmente os fruidores dessas mesmas obras a reconstituírem esse processo de pesquisa, por forma a melhor compreendê-las. Lessig explicita igualmente argumentos de outro autor, Steven Johnson, segundo o qual até as produções tradicionais se complexificaram largamente ao nível dos enredos, agora menos redundantes, numa estratégia de concorrência com as produções da cultura RW e de maximização dos lucros.

Finalmente, no que diz respeito às questões legais e burocráticas, área da especialidade de Lessig, o autor constata que o desfasamento entre o panorama tecnológico conducente ao aparecimento da cultura RW e a legislação reguladora dos direitos de autor e copyright tem vindo a ser ajustado não no sentido de um relaxamento das restrições legais, mas sim de um recrudescimento das mesmas acompanhado de novas limitações tecnológicas como os sistemas de Digital Rights Management (DRM), que têm como função impedir a criação e reprodução indiscriminada de cópias digitais de ficheiros.

Ainda no campo legal, o autor ressalva a questão da equiparação legal da reprodução digital parcial à cópia física não-autorizada e a forma como este enquadramento é injusto e desajustado quando comparado com a posição face à improvisação baseada em temas registados, prática corrente nos círculos do Jazz, facto para o qual Kirby Ferguson chama também à atenção no primeiro episódio de quatro da sua série “Everything is a Remix” [2]. Lessig é, assim, extremamente crítico face às responsabilidades da classe dos advogados, a que pertence, e das chefias da indústria discográfica na manutenção do actual estado de litígio constante, factor profundamente desencorajador para o estabelecimento de uma verdadeira cultura de RW.

Neste ponto particular, aproveito para frisar a discrepância, porventura hipócrita, ao nível do grau de permissividade interna e mútua demonstrado pelos grandes grupos económicos e, em especial, a indústria cinematográfica de Hollywood (muito apoiada nas facilidades de licenciamento e protecção contra eventuais litígios proporcionada pelos vastos catálogos de filmes e guiões que os estúdios colocam à disposição dos realizadores que contratam), como está patente no segundo episódio da série de Kirby [3].

As conclusões retiradas pelo autor são, num primeiro momento, que a cultura RO é, malgrado as atitudes dos seus proponentes e defensores, importante e continuará a ter sucesso na era digital e que a cultura RW, evidentemente devido às vantagens entretanto enunciadas, terá também um papel e valor inestimáveis. Associando esta última a uma ideia de liberdade, Lessig relembra que o sucesso da mesma depende, ainda que parcialmente, da lei, que considera ser actualmente auto-destrutiva e mais lesiva até do que até as quebras de lucros declaradas pelas indústrias culturais.

Explica-nos ainda que é impossível evitar essas práticas culturais, servindo essa atitude apenas para criminalizá-las e afastá-las de estruturas idóneas como sejam insituições de ensino que, de outra forma, as poderiam acolher e estimular. Propõe ainda algumas soluções práticas alternativas como a cobrança de taxas para a manutenção de serviços de peer-to-peer, as quais seriam posteriormente redistribuídas pelos autores em função da sua popularidade nesses mesmos serviços.

É de vital importância contextualizar as opiniões e os estudos deste autor no contexto da produção em Novos Media, nomeadamente a produção de conteúdos gerados pelos utilizadores de serviços de partilha e distribuição de ficheiros como sejam os já referidos servidores de peer-to-peer e outras plataformas populares como o YouTube ou o Vimeo; Lawrence Lessig foi professor de Direito nas universidades de Chicago, Harvard e Stanford, tendo-se especializado em questões relacionadas com a Internet e os Novos Media e fundado naquela última o “Center for Internet and Society”.

Activista político de ideias liberais, Lessig tomou parte da solução para os problemas de gestão de direitos de autor no contexto dos Novos Media e da cultura RW nas suas próprias mãos ao fundar a organização Creative Commons (CC), pioneira no estabelecimento de licenças alternativas mais abertas e de aplicação simples e compreensível para os utilizadores. Nos dias de hoje é muito comum encontrar-se obras licenciadas através do sistema CC nas suas múltiplas variantes, algumas das quais já foram defendidas com sucesso nos tribunais, provando-se assim a sua eficácia na defesa e protecção dos direitos parciais de atribuição de autoria, utilização somente para fins não-lucrativos e cópia dos termos de licença em obras derivativas.

Se a popularidade do sistema CC continuar a aumentar, poder-se-á assistir a um eventual relaxamento das restrições legais à reprodução e re-mistura de obras digitais, à semelhança do que aconteceu ao nível técnico com a abolição dos sistemas de DRM ao nível da secção de música das lojas de descarregamento digital do iTunes e da Amazon, numa harmonização entre a lei e o uso real que é dado pelos utilizadores a essas mesmas obras.

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Referências:

[1]↩ LESSIG, Lawrence (2008),
Remix: Making Art and Commerce Thrive in the Hybrid Economy
(cap. VI — Cultures Compared), Bloomsbury Academic 2008;
[2]↩ FERGUSON, Kirby (2010), Everything is a Remix (parte I)
[3]↩ FERGUSON, Kirby (2010), Everything is a Remix (parte II)

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João Gomes, 2024
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